Novos parâmetros para monitoração eletrônica são debatidos em evento com pesquisa inédita

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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou, nessa quarta-feira (17/11), a pesquisa ‘Monitoração Eletrônica Criminal: evidências e leituras sobre a política no Brasil’, com  diagnóstico inédito sobre a monitoração eletrônica criminal a partir dos diferentes atores envolvidos nesse processo e de dados disponíveis sobre o tema. O evento seguiu com debate sobre a Resolução CNJ n. 412/2021,  que estabelece diretrizes e procedimentos para qualificação da atuação do Judiciário na aplicação e acompanhamento da medida. A atividade integra o programa Fazendo Justiça, parceria do CNJ com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e apoio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) para incidir em desafios no campo da privação de liberdade.

Acesse o sumário executivo da pesquisa

Juiz auxiliar da Presidência do CNJ com atuação no Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), Fernando Mello destacou que a Resolução 412 melhora a interação entre Judiciário e centrais de monitoramento do Poder Executivo, uniformizando entendimentos sobre o uso da monitoração eletrônica, criando parâmetros para prescrição e protocolos para o tratamento de incidentes. “Esperamos contribuir para a consolidação de ações que promovam avanços civilizatórios, com respeito aos direitos fundamentais e a dignidade humana. É dever das instituições, especialmente do Poder Judiciário, agir para transformar o presente que almejamos.”

Coordenador nacional de monitoração eletrônica substituto do Depen, Gilvan Cavalcanti traçou um panorama das ações e recursos do órgão na área, destacando o fortalecimento institucional para garantia da melhor aplicação e acompanhamento das medidas pelas Centrais de Monitoração. Para o representante do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), Daniel Figueiredo, a consolidação de parâmetros e diretrizes da Resolução 412 é fundamental para o uso racional da medida. “A monitoração deve servir para reduzir o encarceramento e não como instrumento  de controle do Estado sobre pessoas.”

A relevância da normativa e da pesquisa considerando os contextos regionais foram destacadas pela representante da Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Vanessa Cavallazzi. Coordenadora da Unidade de Governança e Justiça do Pnud, Moema Freire disse que o acesso à Justiça, o enfrentamento do superencarceramento e a promoção da cidadania para pessoas privadas de liberdade estão alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. “Para o alcance da aplicação dos serviços de monitoração eletrônica com base na legalidade e garantia de direitos, é indispensável que haja ampliação do debate entre a comunidade jurídica e atores do Poder Executivo. Com uma justiça mais inclusiva e efetiva, todos ganham na sociedade.”

Diagnóstico inédito

A pesquisa foi realizada pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (Crisp/UFMG) incluiu levantamento em diferentes capitais entre outubro de 2019 e março de 2021. Houve análise de autos processuais, entrevistas e observação de campo junto a magistrados e magistradas, gestores das centrais de monitoração, profissionais das equipes multidisciplinares e pessoas monitoradas. “Os principais objetivos da pesquisa são compreender o lugar da monitoração eletrônica na redução da superlotação e superpopulação prisional, entender os dilemas relativos aos serviços a partir dos poderes Judiciário e Executivo e das pessoas monitoradas, bem como produzir conhecimento”, explicou a subcoordenadora do Crisp, Andréa Silveira.

Acesse a íntegra da publicação

Em relação às percepções da magistratura, foram identificadas vantagens — a exemplo da monitoração como alternativa ao encarceramento provisório, redução de custos e de vulnerabilidades —, mas também dificuldades — como a ausência de adequada avaliação do perfil da pessoa monitorada, inexistência de fluxos adequados de informações e problemas técnicos, entre outros. Ainda, são distintas as noções de como a sociedade avalia o uso da tornozeleira – pode ser traduzida como impunidade e ineficácia da Justiça ou até adereço que se traduz em perigo e ameaça.

A partir de entrevistas conduzidas com pessoas monitoradas, o estudo aponta que 50% delas considera a medida como adequada, 76% dizem conhecer seus direitos e deveres, e 80% afirmam que tiveram relações sociais comprometidas por conta do dispositivo.

O levantamento traçou também um perfil das pessoas operadoras do sistema (em sua maioria homens policiais penais) e as condições de trabalho nas centrais, que apresentam, entre outros desafios, instalações inadequadas e déficit de pessoal. “O número de pessoas monitoradas no Brasil cresceu muito mas, aparentemente — e a nossa pesquisa mostra isso —, não houve um crescimento proporcional da estrutura e do efetivo de profissionais nas centrais para lidar com esse grande número de pessoas monitoradas, o que significa uma sobrecarga de trabalho muito grande”, apontou a representante do Crisp.

A publicação traz, ainda, recomendações para o desenvolvimento da política, que incluem a implementação de equipes multidisciplinares de apoio na fase anterior a decisão judicial e foco no acompanhamento psicossocial e integração social das pessoas monitoradas, além de adequação das Centrais de Monitoração ao previsto no Manual de Gestão para a Monitoração Eletrônica de Pessoas, entre outras.

No debate sobre a pesquisa, o professor da PUC-RS, Rodrigo Azevedo, disse que os achados reforçam a necessidade de se desenvolver parâmetros comuns. A juíza do Tribunal de Justiça do Amapá, Ilana Kapah, apontou os principais desafios na implementação da política a partir de uma contextualização histórica, enquanto a representante do Depen Danielle Vieira da Silva, pontuou que a aproximação entre Centrais de Monitoração e magistrados é fundamental.

Ao argumentar que a adesão a novas tecnologias precisa ser analisada com moderação, o coordenador do programa de pós graduação da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul, Maiquel Wermuth, destacou a correta abordagem da Resolução 412 que incentiva outras alternativas além da monitoração. “A normativa evidencia o importante esforço para que a monitoração não se transforme em uma prisão a céu aberto ou uma pena ambulatória que acompanhe o sujeito”.

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Resolução CNJ n. 412/2021

A programação da tarde foi iniciada com o detalhamento da Resolução CNJ n. 412/2021, cujo texto teve colaboração de diversos atores da justiça criminal antes de ser aprovado no CNJ. A especialista em monitoração eletrônica do Fazendo Justiça, Izabella Pimenta, explicou que a normativa racionaliza a máquina administrativa judiciária, reduz atos processuais e gera economia de recursos financeiros e humanos, além de proporcionar segurança jurídica a todos os envolvidos, resguardar a tutela jurídica e garantir os direitos fundamentais da pessoa monitorada.

Ao comparar a experiência brasileira com países como Argentina e Espanha, a professora da Universidade de Brasília Cristina Zackseski levantou hipóteses de que não há no país dados que comprovem que a monitoração eletrônica tenha refletido na redução de crimes, de reincidência ou até mesmo de custos do sistema prisional. “Há uma ideia de economia de meios humanos, financeiros, e de gestão, mas o sistema acaba perdendo de alguma maneira suas antigas justificações.”

Para o professor da Universidade Estadual de Campinas Ricardo Campello, a monitoração eletrônica expõe e identifica o corpo penalizado enquanto suspeito, situação exemplificada em sua pesquisa em que pessoas monitoradas viraram alvo de grupos de extermínio. “Se estamos preocupados em reduzir substancialmente a população prisional e as dimensões monumentais do nosso sistema penal, retroalimentadas inclusive pelas medidas punitivas aplicadas em meio aberto, a única recomendação que eu tenho seria: apostemos em soluções exteriores ao sistema penal.”

A juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo Juliana Freitas disse que as políticas judiciárias devem ter recortes de diversidade, com atenção a vulnerabilidades de raça, classe, gênero, tradicionalidade, situação de rua e localização geográfica. “A Resolução 412/2021 e os atos que com ela dialogam podem efetivamente funcionar como uma porta de entrada para a realidade concreta das pessoas submetidas a monitoramento, garantindo uma maior efetividade do seu funcionamento.”

Renata Assumpção e Leonam Bernardo