Central de Regulação de Vagas: tecnologia para equacionar superlotação carcerária

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O emprego da tecnologia na solução dos desafios dos tribunais se apresenta como um instrumento sem precedentes para a Justiça solucionar, com protagonismo, o problema da superlotação das prisões brasileiras. Essa é uma das apostas do funcionamento da Central de Regulação de Vagas, sistemática de gestão de vagas nas unidades prisionais idealizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que parte do princípio de que é necessário eliminar o conceito de ocupação excedente no campo penal.

O convite para que o Judiciário lance mão de inovações tanto no sentido tecnológico quanto no campo de incidências para romper o ciclo que alimenta a violência foi feito pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ Luís Lanfredi, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF), durante o 87º Encontro do Colégio Permanente de Corregedores-Gerais dos Tribunais de Justiça do Brasil (Enconge) na quinta-feira (25/11). O evento foi realizado em São Luís (MA).

“A transformação digital, que sobretudo depois do advento da pandemia passamos a promover, a partir de um olhar atento e direcionado à garantia de direitos, oferece à magistratura brasileira uma oportunidade sem precedentes de capitanear a reversão no quadro de superlotação carcerária”, afirmou Lanfredi. O Brasil possui uma população carcerária de aproximadamente 700 mil pessoas – um dos maiores contingentes de pessoas presas em âmbito mundial.

O coordenador do DMF explicou que a Central de Regulação de Vagas emprega tecnologia para regular o fluxo de entrada e de saída de pessoas do sistema prisional. Com isso, é possível garantir mais equilíbrio da ocupação considerando a capacidade máxima das unidades, no limite de uma pessoa por cada vaga. “É preciso alavancar uma política judiciária de escala nacional a partir de uma perspectiva sistêmica ou não romperemos nunca com o ciclo histórico vicioso que a superlotação enseja, notadamente, sabotando o propósito de reintegração social que se espera da execução penal.”

Regulação

O magistrado explicou o conceito de vaga prisional – espaço mínimo habitável destinado à ocupação de longa permanência por uma única pessoa, de uso cotidiano, regular e não intermitente. O conceito tem por referência unidades prisionais edificadas para abrigar pessoas privadas de liberdade, em condições operacionais de uso e que considere a proporcionalidade entre leitos, serviços, fluxos e rotinas do estabelecimento penal.

Segundo Lanfredi, a Central de Regulação de Vagas ultrapassa a abordagem do controle da quantidade disponíveis e ocupadas com imposições de limites e restrições. Em vez disso, o novo sistema parte da necessidade de um diálogo interinstitucional de articulação e cooperação entre os poderes Judiciário e Executivo e as demais instituições responsáveis pelo sistema prisional.

Um dos suportes a essa nova proposta de gestão de vagas é a sistematização e produção de dados, estatísticas e fomento à pesquisa, avaliação e monitoramento das informações. A finalidade é pôr em prática uma gestão prisional eletrônica de articulação interinstitucional mais eficiente e concentrada na solução da superlotação carcerária.

A regulação de vagas já vem sendo aplicada no sistema socioeducativo – voltado a jovens em conflito com a lei – por meio das Centrais de Vagas que já estão em funcionamento em alguns estados, a exemplo de Santa Catarina, Paraná, Pernambuco e Ceará. A metodologia ganhou especial repercussão após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Habeas Corpus 143.988/ES, sob relatoria do ministro Edson Fachin, que vedou a ocupação das unidades que ultrapassem 100% de sua capacidade.

Caixa de ferramentas

O desenvolvimento do projeto, que inclui metodologia própria a ser lançada até o final do ano, integra as atividades do programa Fazendo Justiça, parceria entre CNJ e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), com apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para superação de desafios estruturais no campo da privação de liberdade.

O Manual para a Implantação da Central da Regulação de Vagas explicará em detalhes a nova metodologia, com informações sobre implantação, operacionalização e monitoramento. De forma resumida, são cinco blocos com 11 ferramentas de gestão: espaciais; tecnológicas; regulação da porta de entrada e de regulação da porta de saída; e de atuação administrativa.

O novo método foi estruturado a partir da análise de experiências nacionais e internacionais de controle da superlotação carcerária e vai oferecer à magistratura subsídios para a adoção de respostas inovadoras para um desafio histórico. Conforme o coordenador do DMF, será oferecida uma caixa de ferramentas que permitirá aos gestores do sistema prisional avaliar, adaptar e customizar a solução para as particularidades de cada estado. O princípio é o do respeito à autonomia de cada tribunal a partir das análises das potencialidades e limitações em cada estado.

Na sexta-feira (26/11), corregedores e corregedoras dos Tribunais de Justiça aprovaram a Carta de São Luís do Maranhão. No documento final do encontro, entre outros deliberações, ficou definido que vão “RECOMENDAR a articulação com o Poder Executivo e GMF, objetivando à implantação de uma Central de Regulação de Vagas eletrônica para  enfrentamento da superlotação carcerária e garantia dos direitos individuais das pessoas presas”.

Maranhão

Para demonstrar os efeitos desse novo sistema de gestão de vagas, o Maranhão já está discutindo um projeto-piloto da Central de Regulação de Vagas. A implantação está em curso na Unidade de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Penitenciário do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), por meio do Projeto Passe Bem.

Conforme Lanfredi, está sendo buscada a integração dos sistemas do Judiciário e do Executivo, de forma que magistrados e magistradas do estado tenham condições de fazer o acompanhamento e controle em tempo real do quantitativo de presos provisórios e sentenciados proporcionando melhor gerenciamento de processos e inibindo prisões em excesso de prazo. “Teremos a chance de que, cada juiz, no momento em que decretar uma prisão saberá se está enviando para uma prisão em superlotação uma pessoa que poderá ser exposta a um tratamento cruel ou desumano em razão da superlotação. E isso tem muito a ver com nossa responsabilidade e nossas decisões.”

Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias